IDEC x Anvisa: Disputa sobre Regulamentação da nova Rotulagem Nutricional

IDEC x Anvisa: Disputa sobre Regulamentação da nova Rotulagem Nutricional

Uma importante decisão judicial suspendeu os efeitos de uma regulamentação da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que modificava as regras de rotulagem de alimentos embalados. A medida foi tomada após uma ação civil pública movida pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

O caso girou em torno da RDC nº 819/2023 da ANVISA, que alterava os prazos de implementação da RDC nº 429/2020 e da IN nº 75/2020, concedendo um prazo de esgotamento de embalagens para a indústria de alimentos.

ENTENDA COMO TUDO COMEÇOU!

No dia 23 de janeiro de 2024, o IDEC iniciou uma Ação Civil Pública contra a ANVISA, buscando a suspensão dos efeitos da RDC nº 819/2023, publicada no Diário Oficial da União em 09 de outubro de 2023.

Essa resolução alterou a RDC nº 429/20, que trata da rotulagem nutricional dos alimentos embalados, permitindo que as embalagens e rótulos dos produtos já disponíveis no mercado na entrada em vigor da RDC nº 429/20, adquiridos até 08/10/23, pudessem ser utilizados por mais 12 meses, até 09 de outubro de 2024.

Em 14 de fevereiro de 2024, o juiz da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo deferiu uma medida liminar para suspender os efeitos da RDC nº 819/2023 da ANVISA. Nessa decisão, determinou que:

  • A ANVISA não pode adotar medidas que permitam o descumprimento dos prazos estabelecidos na RDC nº 429/2020 e na IN nº 75/2020;
  • As empresas fabricantes de alimentos que estejam utilizando a autorização para esgotamento de estoque concedida pela RDC nº 819/2023 devem, em até 60 dias, aplicar etiquetas adesivas complementares nos produtos, contendo: (i) a nova tabela de informação nutricional e (ii) a advertência “ALTO EM” em destaque nos rótulos e embalagens que não estejam em conformidade com a RDC nº 429/2020 e a IN nº 75/2020, ambas da ANVISA.

É importante ressaltar que essa decisão foi proferida em primeira instância, em um estágio inicial do processo, e cabia recurso (Agravo de Instrumento) para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região. E foi o que aconteceu!

Em 18 de março de 2024, a ANVISA apresentou um Agravo de Instrumento contra a decisão de tutela de urgência concedida na Ação Civil Pública movida pelo IDEC contra a Agência.

No Agravo de Instrumento, a ANVISA solicita a antecipação da tutela recursal para suspender imediatamente os efeitos da decisão contestada, garantindo assim a retomada imediata dos efeitos da RDC nº 819/2023 até que o recurso seja submetido a julgamento, momento em que solicita sua provisão, com a consequente revogação da liminar concedida pelo juízo de origem.

Os autos foram encaminhados à Relatora Desembargadora Marli Marques Ferreira, que em 22 de março de 2024, emitiu o seguinte despacho:

“Adio a análise do recurso para depois da apresentação da contraminuta. Intime-se a parte agravada para, querendo, apresentar resposta, conforme o disposto no artigo 1.019, II, do CPC. Após isso, dê-se vista ao Ministério Público Federal.”

No mesmo dia, uma comunicação foi enviada através do sistema. O prazo para apresentação da contraminuta pelo IDEC foi de 15 dias úteis a partir de sua intimação.

Mas, no dia 10 de abril de 2024, a ANVISA protocolou uma petição nos autos do Agravo de Instrumento número, reiterando o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso até que seja julgado definitivamente.

O pedido da Anvisa salientava a urgência extrema da situação, visto a proximidade do prazo para que as empresas implementassem os novos rótulos, que terminaria em 22 de abril de 2024. A ANVISA reforçou que, se a decisão contestada fosse mantida, as indústrias de alimentos enfrentariam prejuízos econômicos incalculáveis, além de um impacto ambiental significativo devido ao descarte de pelo menos 900 toneladas de embalagens, com um custo estimado de R$ 60.000.000,00.

Com isso, a ANVISA solicitou a atribuição de efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento antes mesmo da apresentação das contrarrazões pelo IDEC, argumentando que, do contrário, o provimento poderia se tornar sem efeito, especialmente porque a própria RDC 819/23 estabeleceu um prazo final para o esgotamento de 09 de outubro de 2024.

DECISÃO ATUAL

Dia 15/04/2024 a Justiça proferiu a decisão sobre o Pedido de liminar – antecipação de tutela. Na decisão judicial, baseada na Lei nº 7.347/1985, destacou-se a necessidade de garantir a segurança jurídica e a proteção dos consumidores e a importância do equilíbrio entre os interesses dos agentes econômicos, além da necessidade de uma regulação estável e transparente.

Destaco trechos da decisão:

Proteger o consumidor é, antes de mais nada, fornecer-lhe informações completas e fiéis acerca dos bens e produtos colocados em mercado, de maneira a permitir que o consumo seja o mais consciente possível, em homenagem à liberdade de escolha. Com efeito, um dos papéis essenciais da regulação é neutralizar a assimetria de informação existente entre produtores e consumidores.

 

A guinada perpetrada pela Anvisa em relação ao novo marco regulatório para as embalagens dos alimentos processados e ultra processados causa, no mínimo, estranheza. Como explicar que a partir de 57 (cinquenta e sete) solicitações isoladas se altere, em poucos dias, uma política pública destinada a abarcar milhares, quiçá milhões, de empresas produtoras dos alimentos enquadrados na RDC nº 429/2020?

 

Trata-se de mais um elemento que demonstra o açodamento com que a modificação foi levada a efeito. Ainda que a “urgência” permita seja a Consulta Pública dispensada (art. 197, I, do Regimento Interno), não se pode esquecer que o prazo para a adaptação das empresas se adaptarem às novas regras foi suficientemente extenso, ou seja, de 3 (três) anos. Não entendo razoável, portanto, utilizar-se de uma suposta urgência para afastar o salutar e indispensável mecanismo da Consulta Pública que certamente contaria com a participação de consumidores e diversos outros atores sociais e econômicos envolvidos na política de embalagens dos alimentos PUP.

 

É indispensável que as autoridades regulatórias compreendam, de uma vez por todas, que ‘não há desenvolvimento da sociedade que não esteja ancorado num quadro institucional baseado em regras estáveis e legítimas, que propiciem segurança jurídica e recebam aceitabilidade social’

 

Noutras palavras, é preciso resistir ao lobby de agentes econômicos que tentam compensar a própria incapacidade por meio de um protecionismo estatal que prejudica a coletividade, seja em relação aos consumidores, seja em termos de retardar a prevalência, na economia, das empresas dotadas de maior agilidade, eficiência, produtividade e capacidade de adaptação.

E por fim, a decisão:

Posto isso, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, com amparo no art. 12 da Lei nº 7.347/1985, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR para suspender os efeitos da RDC nº 819/2023 da Anvisa, de modo a obrigar a ré a abster-se de adotar medidas que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento dos prazos de implementação da RDC nº 429/2020 e da IN nº 75/2022, devendo as empresas fabricantes de alimentos processados PUP, que estejam se valendo da autorização de esgotamento de embalagens e rótulos antigos pela RDC nº 819/2023, num prazo máximo de 60 (sessenta) dias, adotarem etiquetas adesivas complementares com a (i) nova tabela de informação nutricional e (ii) a lupa frontal “ALTO EM” em todos os rótulos e embalagens desconformes com a RDC nº 429/2020 e com a IN nº 75/2020.

E ISSO QUER DIZER…

Que vale salientar que essa decisão indica que, ao lidar com um pedido de tutela provisória, o juiz não precisa abordar todas as argumentações apresentadas no processo, mas apenas aquelas que são suficientes para fundamentar de maneira sólida a decisão provisória.

A tutela provisória não representa uma conclusão definitiva do caso, mas sim uma avaliação temporária que não necessariamente leva em conta todos os aspectos do processo. Portanto, mesmo que existam argumentos adicionais que poderiam ser discutidos em uma decisão final, eles não precisam ser considerados na concessão da tutela provisória.

Com base nessa compreensão, o juiz decidiu negar o pedido de efeito suspensivo, indicando que os elementos já considerados são suficientes para justificar a decisão provisória tomada.

Ou seja, fica mantida a decisão da Justiça em suspender a RDC nº 819/2023 e com isso, as empresas terão que adotar etiquetas adesivas complementares para a nova tabela de informação nutricional e rotulagem nutricional frontal (lupa “ALTO EM”).

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