O tema da rotulagem de alérgenos foi tema da pauta de hoje, 11 de setembro de 2025, onde participei do diálogo setorial promovido pela Anvisa, que reuniu mais de 700 pessoas entre representantes da indústria, órgãos de governo e profissionais. O debate mostrou o quanto esse assunto é sensível e vai precisar de muita contribuição durante a Consulta Pública.
Na reunião, foi apresentado o texto da nova minuta da Anvisa sobre rotulagem com alterações relevantes na forma como devemos declarar alérgenos, lactose, sulfitos, fenilalanina e polióis. Essas mudanças não apenas atualizam a legislação vigente, mas também aproximam o Brasil das discussões do Codex e Mercosul. Na sequência, analiso cada artigo de forma detalhada.
Artigo 13 – Identificação obrigatória dos alérgenos
Texto proposto:
Art. 13. Os alimentos que contenham adição ou sejam obtidos dos alimentos alergênicos e derivados listados no Anexo III desta Resolução devem conter a declaração:
I – do nome especificado do alimento alergênico, em negrito, na lista de ingredientes, de uma das seguintes formas:
a) como parte do nome do ingrediente; ou
b) em adição ao nome do ingrediente, entre parênteses; e
II – da advertência “Contém (nomes especificados dos alimentos alergênicos)” na lista de advertências.1º O disposto no caput desse artigo não se aplica aos alimentos de ingrediente único que contenham o nome especificado do alimento alergênico declarado como parte da denominação de venda do alimento.
§2º O disposto no inciso I do caput desse artigo não se aplica aos alimentos de ingrediente único que não contenham a declaração da lista de ingredientes.
O primeiro ponto central da proposta é a exigência de identificação dupla dos alérgenos. A partir da mudança, eles deverão ser destacados na lista de ingredientes, em negrito, e também em uma advertência padronizada, que, adianto, foi bastante modificada em relação ao que conhecemos hoje.
Mas percebe a grande diferença já no texto proposto? Foi excluído os termos “ALÉRGICOS” do começo da frase e também a expressão “DERIVADOS” do alerta.
Além disso, a proposta também aborda a já discutida isenção de declaração de alérgenos para ingredientes únicos. Isso significa que, por exemplo, uma bandeja de ovos não precisará trazer a advertência “Contém ovos”, desde que a denominação de venda do produto já traga o nome do alérgeno.
De forma mais detalhada, o §1º do art. 13 determina que não há necessidade de advertência quando a denominação do produto já contiver o nome do alimento alergênico. Já o §2º esclarece que a regra do inciso I, que exige o destaque do alérgeno em negrito na lista de ingredientes, não se aplica aos alimentos de ingrediente único que não possuam lista de ingredientes. Nesses casos, a advertência continua obrigatória, a menos que se enquadre na exceção prevista no §1º.
O objetivo declarado dessa duplicidade é garantir máxima visibilidade para o consumidor. Entretanto, surgem preocupações sobre possíveis inconsistências, principalmente relacionadas à nomenclatura de alguns ingredientes. Durante o diálogo, foi levantada a questão da denominação dos aditivos alimentares, mas ficou esclarecido pelo Rodrigo que a nomenclatura desses aditivos não sofrerá alterações, permanecendo conforme as normas específicas já existentes. Assim, a inclusão do nome do alérgeno na lista de ingredientes deve ser entendida como uma medida de reforço à segurança do consumidor, sem impactar a forma como os aditivos são atualmente declarados.
Artigo 14 – Uso do “pode conter” condicionado ao programa de controle
Texto proposto:
Art. 14. Nos casos em que não for possível garantir a ausência de contato cruzado por alérgenos dos alimentos alergênicos e seus derivados listados no Anexo III desta Resolução, deve ser declarada a advertência “Pode conter (nomes especificados dos alimentos alergênicos)” na lista de advertências.
Parágrafo único. A utilização da declaração estabelecida no caput desse artigo deve ser baseada em um programa de controle de alérgenos adotado como parte das Boas Práticas de Fabricação do alimento.
O artigo 14 trata da famosa frase “Pode conter”, usada quando há risco de contaminação cruzada. Aqui, a proposta determina que sua utilização só será possível quando baseada em um Programa de Controle de Alergênicos, incorporado formalmente às Boas Práticas de Fabricação (BPF).
Nesse sentido, considero um avanço, pois evita o uso indiscriminado da advertência. Apesar do Perguntas e Respostas publicados esclarecerem sobre o PCAL, agora temos a sua obrigatoriedade incorporada no texto normativo. Para algumas indústrias, este ponto pode ser um desafio, que terão que estruturar controles mais robustos e documentados.
Artigo 15 – Regras para isenção da declaração
Texto proposto:
Art. 15. A isenção da obrigatoriedade das declarações previstas nos arts. 13 e 14 desta Resolução para ingredientes, incluindo aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia, derivados dos alimentos alergênicos listados no Anexo III desta Resolução, deve ser solicitada mediante protocolo de petição específica, acompanhado de documentação técnico-científica que comprove sua segurança, com base nas diretrizes estabelecidas na Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 868, de 16 de maio de 2024.
1º Para fins da solicitação de isenção de que trata o caput desse artigo, o interessado deverá apresentar, no mínimo, as seguintes informações:
I – caracterização do ingrediente derivado do alimento alergênico, incluindo:
a) denominação e descrição do processo de obtenção;
b) identificação da fonte alimentar alergênica;
c) composição qualitativa e quantitativa, com ênfase na concentração total de proteínas oriundas da fonte alergênica;
d) descrição detalhada do processo de fabricação, incluindo etapas relevantes para redução ou eliminação de proteínas alergênicas e seus parâmetros operacionais; e
e) especificações físico-químicas do ingrediente, incluindo a variabilidade entre lotes.II – histórico de uso seguro, incluindo:
a) dados de consumo prévio em diferentes populações;
b) relatos de reações adversas associadas ao uso do ingrediente; e
c) resultados de ensaios clínicos ou desafios alimentares, quando disponíveis.III – dados analíticos das proteínas da fonte alergênica, incluindo:
a) métodos utilizados para a determinação de proteínas totais e específicas, com respectivas validações;
b) perfil de peptídeos ou proteínas residuais; e
c) estudos de ligação à IgE com soros de indivíduos com alergia comprovada à fonte alimentar prioritária.IV – avaliação da exposição, incluindo:
a) níveis pretendidos de uso do ingrediente nas categorias de alimentos relevantes;
b) estimativas de consumo baseadas em dados populacionais estratificados por faixa etária e grupo de consumidores; e
c) cálculo da exposição estimada à proteína da fonte alergênica por ocasião de consumo, com base em percentis elevados de ingestão, expressa em miligramas da proteína total da fonte alergênica.V – comparação da exposição estimada com a dose de referência estabelecida para a fonte alergênica, utilizando margem de exposição adequada.
2º Quando os dados indicarem exposição inferior a 1/30 da dose de referência, e os métodos analíticos forem adequados para detecção nas faixas propostas, a Anvisa poderá considerar a isenção da declaração obrigatória.
3º Na ausência de evidências suficientes quanto à redução de alergenicidade ou de dados analíticos robustos, poderá ser exigida a realização de ensaio clínico controlado com indivíduos alérgicos à fonte alimentar prioritária.
Sem dúvida, este é o ponto mais polêmico. O Artigo 15 define que a isenção de declaração de alérgenos em ingredientes derivados (incluindo aditivos e coadjuvantes) dependerá da submissão de um dossiê técnico-científico completo. Entre os requisitos, estão:
- caracterização do ingrediente e do processo produtivo;
- dados analíticos de proteínas residuais;
- histórico de uso seguro;
- avaliação de exposição da população;
- e, em alguns casos, até ensaios clínicos controlados com indivíduos alérgicos.
Embora a Anvisa justifique que isso traria segurança jurídica, na prática pode ocorrer o contrário: a exigência de dossiês nesse nível dentro de uma norma de rotulagem gera insegurança regulatória e sobreposição com normas específicas de novos alimentos e novos ingredientes. Além disso, pode criar situações paradoxais, em que um mesmo derivado seja rotulado de forma diferente por fabricantes distintos.
Durante o diálogo, expus minha preocupação em ver esse tema tratado dentro de uma norma de rotulagem. Ainda que a proposta seja positiva ao esclarecer o procedimento para solicitar isenção, contínuo preocupado com o local em que ele está sendo regulamentado. Defendo que esse assunto deveria compor as normas específicas, e não a de rotulagem.
Artigo 16 – Lactose
Texto proposto:
Art. 16. Os alimentos que contenham lactose em quantidade maior do que 100 (cem) miligramas por 100 (cem) gramas ou mililitros do alimento tal como exposto à venda devem conter a advertência “Contém lactose” na lista de advertências.
1º No caso das fórmulas infantis destinadas a necessidades dietoterápicas específicas, a declaração da advertência de que trata o caput desse artigo é obrigatória quando a quantidade de lactose for maior do que 10 (dez) miligramas por 100 (cem) quilocalorias, considerando o produto pronto para o consumo, de acordo com as instruções de preparo fornecidas pelo fabricante.
2º No caso das fórmulas para nutrição enteral, a declaração da advertência de que trata o caput desse artigo é obrigatória quando a quantidade de lactose for maior ou igual a 25 (vinte e cinco) miligramas por 100 (cem) quilocalorias, considerando o produto pronto para o consumo, de acordo com as instruções de preparo fornecidas pelo fabricante.
O texto mantém os mesmos critérios já conhecidos: a advertência “Contém lactose” deve aparecer quando o alimento tiver mais de 100 mg por 100 g ou ml. Além disso, os limites mais restritos continuam valendo para fórmulas infantis (10 mg/100 kcal) e para enterais (25 mg/100 kcal).
Portanto, não há novidade de mérito aqui, mas a advertência passa a ser incorporada à mesma seção unificada de advertências dos alérgenos, o que é uma novidade. Porém fica o questionamento: essa padronização ficará melhor para o consumidor?
Minha opinião é que precisamos discutir melhor sobre os impactos quanto ao entendimento do consumidor brasileiro, por exemplo minha mãe e minha avó 😅
Artigo 17 – Sulfitos
Texto proposto:
Art. 17. Os alimentos que contenham uma concentração de sulfitos igual ou maior a 10 (dez) miligramas por quilo devem conter a declaração:
I – do nome “sulfito”, em negrito, na lista de ingredientes, de uma das seguintes formas:
a) como parte do nome do ingrediente; ou
b) em adição ao nome do ingrediente, entre parênteses; eII – da advertência “Contém sulfito” na lista de advertências.
1º A concentração de que trata o caput desse artigo deve ser medida com base em equivalentes de dióxido de enxofre, considerando o alimento tal como exposto à venda.
§2º O disposto no caput desse artigo não se aplica aos alimentos de ingrediente único que contenham o termo “sulfito” declarado como parte da denominação de venda do alimento.
§3º O disposto no inciso I do caput desse artigo não se aplica aos alimentos de ingrediente único que não contenham a declaração da lista de ingredientes.
Outro ponto de destaque é a introdução de advertência específica para sulfitos em concentrações iguais ou superiores a 10 mg/kg. Nesse caso, haverá dupla obrigação:
- declarar “sulfito” em negrito na lista de ingredientes;
- incluir a advertência padronizada “Contém sulfito”.
Ou seja, os sulfitos não entram na lista dos alergênicos clássicos, mas passam a ter tratamento equivalente. Isso representa um avanço em proteção ao consumidor, porém cria mais uma obrigação que não está harmonizada no Mercosul, onde a exigência é menos detalhada.
Um impacto que já temos que analisar para a indústria é o econômico. Uma vez que os alimentos deverão ser analisados quantitativamente para dióxido de enxofre como requisitos para incluir ou não o alerta.
Artigo 18 – Fenilalanina
Texto proposto:
Art. 18. Os alimentos que contenham adição do aditivo alimentar edulcorante aspartame devem conter a declaração da advertência “Contém fenilalanina” na lista de advertências.
No caso do aspartame, a advertência “Contém fenilalanina” já era prevista, mas agora passa a integrar a mesma lógica das advertências unificadas. A mudança, portanto, é mais estrutural do que de mérito, mas reforça a proposta na comunicação ao consumidor.
Artigo 19 – Polióis e efeito laxativo
Texto proposto:
Art. 19 Os alimentos que contenham adição de aditivos alimentares edulcorantes que sejam polióis devem conter a advertência “Este produto pode ter efeito laxativo”, em negrito, quando a previsão razoável de consumo diário for superior a 20 (vinte) gramas de manitol, 50 (cinquenta) gramas de sorbitol ou 90 (noventa) gramas de outros polióis que possam ter efeito laxativo.
Temos a manutenção da advertência “Este produto pode ter efeito laxativo” para polióis como sorbitol, manitol e outros, quando o consumo previsto exceder determinados limites (20 g, 50 g ou 90 g, conforme o tipo). A novidade aqui é a inserção da expressão unificada com as demais, garantindo que o consumidor encontre todas as advertências em um só bloco.
Artigo 19-A – Localização e legibilidade
Texto proposto:
Art. 19-A. As advertências previstas nos arts. 13 a 19 desta Resolução devem ser declaradas de forma agrupada em uma caixa delimitada por borda de proteção, localizada imediatamente abaixo ou ao lado da lista de ingredientes.
1º As advertências devem ser apresentadas em ordem padronizada, conforme a seguir:
I – advertência referente aos alimentos alergênicos;
II – advertência referente à lactose;
III – advertência referente aos sulfitos;
IV – advertência referente à fenilalanina;
V – advertência referente à possibilidade de contato cruzado (“pode conter”);
VI – advertência referente ao efeito laxativo de polióis.2º As advertências devem atender aos seguintes requisitos de formatação:
I – caracteres em caixa alta;
II – fonte em negrito;
III – cor preta (100% K) sobre fundo branco;
IV – altura mínima de 2 mm, nunca inferior à altura da letra utilizada na lista de ingredientes;
V – altura mínima de 1 mm para embalagens com painel principal de até 100 cm².3º O espaço entre as linhas de texto deve ser, no mínimo, igual à altura da letra.
4º A distância mínima entre os caracteres deve ser de 0,2 vezes a altura da letra.
5º A distância mínima entre as linhas de texto e as bordas da caixa deve ser de 0,2 vezes a altura da letra.
6º A caixa delimitada por borda de proteção deve ser apresentada em contraste com o fundo do rótulo, conforme os modelos constantes no Anexo V desta Resolução.
O Art. 19-A é, sem dúvida, um dos pontos que mais chamam atenção da minuta, pois ele não apenas organiza, mas padroniza a forma de apresentação das advertências. Pela proposta, todas as declarações (alérgenos, lactose, sulfitos, fenilalanina, polióis e o “pode conter”) deverão ser reunidas em uma única caixa, com borda de proteção, em ordem pré-definida e seguindo padrões rígidos de cor (preto 100% em fundo branco) e de espaçamento.
Do ponto de vista do consumidor, essa padronização pode ser bastante positiva. A experiência que já tivemos com a rotulagem nutricional mostra que regras claras de legibilidade ajudam a acabar com o “carnaval” de cores e formatos, que muitas vezes dificultava até mesmo a leitura de informações essenciais. Nesse sentido, a proposta garante uniformidade e clareza na comunicação.
Por outro lado, a medida também traz uma certa rigidez. Diferentemente do que prevê o Mercosul, que exige apenas clareza, legibilidade e proximidade em relação à lista de ingredientes, o Brasil avança para um nível de detalhamento gráfico que pode gerar desalinhamento e impor custos adicionais à indústria. Em embalagens coloridas ou com pouco espaço, por exemplo, será inevitável refazer completamente o layout para atender à exigência da caixa branca padronizada.
Além disso, a exigência da palavra “ATENÇÃO” (prevista nos modelos anexos) merece reflexão. Apesar de transmitir seriedade e reforçar o alerta, pode causar estranheza ao consumidor, que até agora estava habituado ao tradicional “ALÉRGICOS:” nos rótulos.
Em resumo, vejo o Art. 19-A como uma mudança de mérito importante: ele não apenas organiza, mas normatiza o design gráfico das advertências, trazendo ganhos de padronização e legibilidade. Contudo, esses ganhos vêm acompanhados de impactos significativos em custos e de um risco concreto de desalinhamento internacional.
Por fim, as propostas apresentadas para advertências e lista de alergênicos trouxeram mudanças bastante relevantes. Entre elas, destaco:
- a unificação dos requisitos de advertências (alergênicos, lactose e aditivos) em uma única seção;
- a exigência de identificação dupla dos alergênicos, tanto na lista de ingredientes quanto em advertências padronizadas;
- a exclusão dos termos “ALÉRGICOS” e “DERIVADOS”, substituídos por uma redação mais direta;
- a obrigatoriedade de incluir o Programa de Controle de Alérgenos dentro das Boas Práticas de Fabricação;
- a inclusão de advertências específicas para lactose, sulfitos e fenilalanina;
- a padronização visual das advertências, com caixa branca, caracteres pretos e ordem pré-definida;
- a revisão da lista de alimentos alergênicos, que passa a incluir gergelim, trigo-sarraceno, aipo, tremoço e mostarda, restringe espécies como noz-pecã e pistache, e exclui as castanhas (Castanea spp.).
Em resumo, trata-se de um conjunto de mudanças que amplia a transparência e a clareza para o consumidor, mas que ao mesmo tempo aumenta os requisitos obrigatórios e pode gerar custos adicionais de adaptação para a indústria, além de levantar o debate sobre o alinhamento (ou não) com as regras do Mercosul.