ABRAS solicita ingresso “AMICUS CURIAE” na treta do IDEC x Anvisa

ABRAS solicita ingresso “AMICUS CURIAE” na treta do IDEC x Anvisa

No último capítulo da novela IDEC x Anvisa, na disputa sobre Regulamentação da Nova Rotulagem Nutricional, vimos que o pedido de antecipação de tutela feito pela Anvisa à Justiça foi negado, ficando mantida a primeira decisão em favor do IDEC para a suspensão da RDC nº 819/2023.

Pois bem, na data de 17/04/2024, a Associação Brasileira de Supermercados – ABRAS pediu admissão de sua participação na condição de AMICUS CURIAE na ação civil pública (IDEC x ANVISA), que discute a aplicabilidade de resoluções sobre rotulagem.

Explicando o juridiquês, AMICUS CURIAE ou “amigo da corte” é uma expressão em Latim utilizada para designar o terceiro, neste caso, uma associação (ABRAS) que ingressa no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador, oferecendo-lhes uma melhor base para questões relevantes e de grande impacto.

No pedido, a ABRAS volta a enfatizar as considerações que levaram a Anvisa a editar a RDC nº 819/2023:

(i) Situações anormais e excepcionais enfrentadas ao redor do mundo: pandemia da COVID-19 e Guerra da Ucrânia;

(ii) Impactos ambientais: no mínimo 900 toneladas de embalagens, com valores que ultrapassam 60 milhões de reais (podendo ainda ser maior, já que apenas 1/5 das empresas havia notificado a ANVISA sobre o estoque de embalagens em desconformidade com a RDC 429/2020);

(iii) Relevante aspecto econômico: a medida viabiliza a continuidade de negócios de empresas de diferentes segmentos alimentícios (sobretudo pequenas e médias empresas);

(iv) Não há incremento de risco sanitário: os alimentos com rótulo novo e os alimentos que manterão por algum tempo o rótulo antigo, tal como autorizado pela RDC 819/2023, estão todos em condições sanitárias regulares e aptos ao consumo, inclusive no que diz respeito às informações obrigatórias na rotulagem, que já constavam das embalagens antes mesmo da RDC 429/2020. Ademais, o fato de coexistirem, por certo tempo, embalagens no padrão antigo e no padrão novo já foi uma situação prevista na RDC 429/2020 (art. 50, §§ 2º e 3º), que prevê prazos maiores para alimentos, por exemplo, produzidos de forma artesanal, por microempreendedor individual, bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, além da situação decorrente do prazo de validade dos produtos com rotulagem antiga;

(v) Inviabilidade da solução trazida pela decisão de primeira instância de adotar “etiquetas adesivas complementares” a serem apostas em embalagens antigas: A aposição de etiqueta complementar nas embalagens antigas chegou a ser avaliada pela ANVISA, tal como consta da Nota Técnica nº 1/2024/SEI/GGALI/DIRE2/ANVISA (id. 286975513). Entretanto, tal alternativa não se mostrou viável, sobretudo em razão das dificuldades técnicas existentes a depender do tipo de embalagem (por exemplo, produtos congelados), bem como em razão do incremento de custos como aquisição de novas máquinas etiquetadoras, o que tornaria inviável a produção para diversas companhias.

Na contextualização, a ABRAS ainda destaca que a edição da RDC nº 819/2023 “não impede o acesso dos consumidores às informações nutricionais, pois as informações já constavam da rotulagem de alimentos antes mesmo da edição da RDC 429/2020.” Além disso, a RDC nº 429/2020 já prevê que os produtos fabricados até o final do prazo de adequação poderão ser comercializados até o final de seu prazo de validade (art. 50, § 4º), conforme o destaque no pedido:

Logo, é preciso entender o recorte da RDC 819/2023. A alteração pontual na RDC 429/2020 estabeleceu tão somente um prazo adicional que possibilitou o esgotamento de rotulagens e embalagens de alimentos já adquiridas antes do prazo de adequação do art. 50, da RDC 429/2020, e por um prazo máximo de um ano. Repisa-se que, a partir desta data, não mais foi permitida a aquisição de novas rotulagens e embalagens que não estivessem adequadas às disposições da RDC 429/2020 e da IN 75/2020.

Sobre a decisão de primeiro grau e a decisão sobre o pedido de efeito suspensivo, a ABRAS destaca que a:

“decisão agravada reflete situação de insegurança jurídica para o setor supermercadista, ao desconsiderar os potenciais impactos negativos que dela poderiam advir, tais como ilegais autuações de Procons e de Vigilâncias Sanitárias locais diante da falta de clareza de seus comandos. A r. decisão ID 88434375, ao indeferir o pedido de concessão de efeito suspensivo, data maxima venia, manteve as lacunas e obscuridades que acarretam os riscos para o setor supermercadista, porque se limitou a reproduzir a r. decisão agravada em seus exatos termos.”

O QUE MOTIVA O PEDIDO DE INGRESSO DA ABRAS

No pedido, vários pontos são levantados para motivar o pedido de AMICUS CURIAE da ABRAS no processo, destaco alguns:

A ABRAS vê-se diante de situação com alto potencial lesivo para o setor supermercadista. Isso ocorre devido à falta de clareza na delimitação de todas as situações que podem surgir com a antecipação do prazo promovida pela decisão agravada para adequação do rótulo das embalagens de alimentos industrializados (o que já aconteceria em 22 de abril de 2024).

A situação posta gera apreensão e insegurança jurídica no setor supermercadista, pois, caso a r. decisão agravada seja mantida em seus próprios termos, é possível que o setor suporte prejuízos financeiros e danos a sua reputação.

A r. decisão agravada não traz a necessária clareza quanto a perguntas basilares referentes a “quem” deverá realizar “o que” para garantir a adequação das embalagens dos alimentos industrializados às diretrizes estabelecidas na RDC 429/2020 e na IN 75/2020, no exíguo prazo de 60 dias.

O QUE DEVE SER LEVADO EM CONTA NA DECISÃO

No papel de ajudar o órgão julgador com subsídios para as suas decisões, a ABRAS enfatiza que nunca se posicionou institucionalmente a favor ou contra a RDC nº 819/2023, já que as obrigações que são tratadas na normativa não deveriam impactar em obrigações para o setor supermercadista. Contudo, essa situação se altera com a decisão agravada, consolidando uma situação de absoluta insegurança jurídica para o setor supermercadista, o que poderá levar a indevida fiscalização e/ou autuação das empresas associadas à ABRAS. Ainda sobre o que deve ser levado em conta sobre a decisão, a ABRAS destaca a decisão lacunosa e obscura, a inimputabilidade do varejo e os riscos de danos.

DECISÃO LACUNOSA E OBSCURA

Em relação à decisão lacunosa e obscura, a ABRAS destaca que a situação de incerteza gerada para o setor supermercadista se dá por 3 razões principais:

PRIMEIRO, porque a r. decisão agravada parece não ter se atentado ao fato de que a RDC 819/2023 não estabelece um regime jurídico excepcional para a rotulagem de produtos em desconformidade com as diretrizes da RDC 429/2020; mas apenas autoriza, por um período adicional, o uso de embalagens que já foram adquiridas até 08 de outubro de 2023;

SEGUNDO, porque a r. decisão agravada não se atentou ao que dispõe o art. 50, § 4º, da RDC 429/2020. A leitura da r. decisão leva a crer que, mesmo os alimentos industrializados produzidos antes do termo fixado pelo decisum (i.e. 22 de abril de 2024), precisariam serem adesivados para serem comercializados pelos mercados. Para além da impossibilidade fática de que o varejo adesive os alimentos industrializados disponíveis em suas gôndolas (item IV.B), o comando vai de encontro com o que dispõe o art. 50, § 4º da RDC 429/2020.

Na segunda razão, a ABRAS demonstra grande preocupação, pois como não existe uma orientação clara na decisão judicial de quando os produtos devem ser etiquetados e que, em resposta informal, a Anvisa informa que “os produtos já disponíveis para venda também deveriam ser etiquetados” – sem fazer qualquer ressalva quanto à sua data de fabricação, se antes ou depois da decisão judicial – isso denota uma inegável insegurança jurídica para o setor.

ABRAS continua, e apresenta a terceira razão:

TERCEIRO, a r. decisão agravada obriga a ANVISA a se abster “de adotar medidas que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento dos prazos” originais da RDC 429/2020; contudo essa determinação genérica causa uma grande incerteza sobre como ela será cumprida pela ANVISA, pelas vigilâncias sanitárias locais, ou por outros órgãos fiscalizadores.

INIMPUTABILIDADE DO VAREJO

Sobre a Inimputabilidade do varejo, a ABRAS destaca que:

O setor supermercadista não pode ser alvo de fiscalização e/ou autuação por órgãos do consumidor ou vigilâncias sanitárias com relação ao cumprimento da RDC 429/2020. Do ponto de vista regulatório, o marco regulatório vigente se aplica tão somente aos fabricantes dos alimentos processados.

Ao dar conhecimento ao setor sobre a decisão liminar, a própria ANVISA publicou, no Diário Oficial da União o Despacho nº 49, de 28 de março de 2024, em que informa que “as empresas fabricantes de alimentos processados PUP, que estejam se valendo da autorização de esgotamento de embalagens e rótulos antigos pela RDC nº 819/2023, deverão, num prazo máximo de 60 (sessenta) dias, que se encerra em 22/04/2024, adotar etiquetas adesivas complementares com a (c.i) nova tabela de informação nutricional e (c.ii) a lupa frontal “ALTO EM” em todos os rótulos e embalagens desconformes com a RDC nº 429/2020 e com a IN nº 75/2020”

Do ponto de vista fático e também regulatório, é evidente que o setor supermercadista — que tão somente é responsável pelo manuseio dos produtos — desconhece o processo produtivo dos alimentos, sua composição, e não aptidão técnica e operacional para etiquetar as informações de rotulagem nutricional. E mais: os associados da ABRAS, na condição de varejistas, não têm licença sanitária para realizar a aposição de etiquetas (etapa produtiva) em produtos adquiridos para comercialização em seus estabelecimentos. É evidente, assim, a ausência de responsabilidade regulatória dos supermercados nesse aspecto.

RISCO DE DANOS

E sobre os riscos de danos, é destacado que:

O risco da manutenção das r. decisões da maneira que estão redigidas e sem o devido esclarecimento sobre o escopo é altíssimo para o setor supermercadista e decorre, justamente, de seus pontos de indeterminação.

As r. decisões não são claras a respeito dos procedimentos que devem ser adotados pelo setor, caso recebidos produtos inadequados, tampouco sobre os limites de atuação dos órgãos fiscalizatórios. Isso, por si poderia levar a problemas de estoque, rupturas de fornecimento, multas por não conformidade e danos reputacionais.

Por fim, na conclusão do seu pedido a ABRAS destaca que independente de qual for a decisão do tribunal sobre o prazo para adequar as embalagens quanto aos requisitos da RDC nº 429/2020 e IN nº 75/2020, que não existe risco sanitário para os produtos que estão no mercado antes do termo de adequação, solicita que deve ser esclarecido que os produtos fabricados antes desse termo (decisão judicial) poderão ser comercializados nas embalagens em que se encontram, sem que seja necessário os adesivar. E que, a responsabilização por eventuais irregularidades não pode recair sobre o setor supermercadista.

Pede ainda que seja necessário, esclarecer a r. decisão agravada, para que passe a constar, de maneira expressa, que as empresas do setor supermercadista não têm responsabilidade pela adequação das embalagens e da rotulagem nutricional dos alimentos processados e, por isso, não podem ser sancionadas por autoridades administrativas (e.g. ANVISA, PROCONs e vigilâncias sanitárias locais – estadual e municipal). Sendo a obrigação de adesivar os alimentos industrializados que forem fabricados após o termo definido pelo E. Tribunal para o início da vigência da obrigatoriedade da RDC 429/2020, recaia exclusivamente sobre as empresas fabricantes de alimentos processados.

Claro, isso é apenas um pedido que pode ser deferido ou indeferido. Mas continuaremos acompanhando os próximos capítulos. 😉

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