No dia 15 de junho de 2018 foi publicada a Lei nº 13.680/2018 que alterou a Lei nº 1.283/1950 para dispor sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal.
Vale destacar que a legislação que vigorava desde a década de 1950, impedia os pequenos produtores rurais de comercializar produtos de origem animal artesanais fora do estado de origem.
E, há pouco mais de 1 ano, com a inclusão do art. 10-A na Lei nº 1.283/1950, passou a garantir uma maior flexibilização para a produção e comercialização de produtos artesanais, todavia a então Lei nº 13.680/2018 ficou com sua eficácia contida.
De lá para cá, muitas dúvidas surgiram: já posso comercializar meu queijo artesanal em todo brasil? Como deverá ser o selo para produtos artesanais? Quem vai fiscalizar os produtos artesanais? Existe definição para produto de origem animal artesanal?
Entre todas as dúvidas, uma é a principal: COMO SERÁ O SELO ARTE?
E já era de se esperar, pois § 1º do Art. 10-A da Lei nº 1.283/1950 determinou que o produto artesanal será identificado por selo único com a indicação ARTE:
§ 1º O produto artesanal será identificado, em todo o território nacional, por selo único com a indicação ARTE, conforme regulamento.
Todavia, conforme falei anteriormente, a eficácia da referida Lei é contida, pois o selo ARTE deverá ser “conforme regulamento”. Isso quer dizer que deverá existir um regulamento posterior a Lei que defina como será o selo ARTE.
Porém, mesmo a Lei deixando claro que o selo ARTE seria regulamentado por norma posterior, o § 5º determinou que até a sua regulamentação, ficou autorizada a comercialização dos produtos alimentícios produzidos de forma artesanal.
§ 5º Até a regulamentação do disposto neste artigo, fica autorizada a comercialização dos produtos a que se refere este artigo.
E esse dia parece que chegou!
Ontem, dia 18 de julho de 2019, na solenidade de 200 dias de desgoverno governo do atual Presidente do Brasil juntamente com a Ministra Tereza Cristina, foi assinado o Decreto de regulamentação do Selo Arte (aqui).
A comemoração é válida não pelo governo atual e sim uma vitória para os produtores que irão se beneficiar com a medida, pois nas próprias palavras da Ministra “havia no Ministério da Agricultura regras muito rígidas, feitas para grandes indústrias, e, portanto, inadequadas para quem produz artesanalmente”.
Eis que na data de hoje, dia 19 de julho de 2019, no Diário Oficial da União o referido Decreto de regulamentação do Selo Arte foi publicado, juntamente com a Lei que dispõe sobre a elaboração e comercialização de queijos artesanais.
DECRETO Nº 9.918, DE 18 DE JULHO DE 2019 – Regulamenta o art. 10-A da Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal.
LEI Nº 13.860, DE 18 DE JULHO DE 2019 – Dispõe sobre a elaboração e a comercialização de queijos artesanais e dá outras providências.
Vamos por partes: Primeiro o selo ARTE
DECRETO Nº 9.918, DE 18 DE JULHO DE 2019
O Decreto regulamenta o disposto no art. 10-A da Lei nº 1.283/1950 que dispõe sobre o processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal.
No seu art. 2º determina que os produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal, além do selo de inspeção oficial (seja estadual ou municipal), serão identificados por selo único com a indicação ARTE.
Mas não fiquem animados, pois apensar da imagem acima ter sido retirada do site do MAPA, o § 1º, art. 2º do Decreto diz que o selo ARTE será (verbo irregular (ser) na terceira pessoa do futuro do presente) estabelecido em “ato do Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”.
Isso quer dizer?
Quer dizer que o MAPA irá publicar nos próximos dias uma Instrução Normativa com definições do logotipo do Selo.
Após o logotipo ser definido, e conforme o § 3º, art. 2º do Decreto, os órgãos da agricultura dos Estados e do Distrito Federal ficam autorizados a conceder o selo ARTE, cuja exigências para a concessão serão simplificadas e adequadas às dimensões e à finalidade do empreendimento (§ 4º, art. 2º).
Imbróglios a parte, o Decreto trata de outros pontos muito importantes, como definições para produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal, boas práticas agropecuárias na produção artesanal, boas práticas na fabricação de produtos artesanais, origem determinada e concessão de selo ARTE (Art. 3º).
Também fica determinado alguns requisitos para produção de produtos alimentícios de origem animal artesanais, como:
I – as matérias-primas de origem animal devem ser beneficiadas na propriedade onde a unidade de processamento estiver localizada ou devem ter origem determinada;
II – as técnicas e os utensílios adotados que influenciem ou determinem a qualidade e a natureza do produto final devem ser predominantemente manuais em qualquer fase do processo produtivo;
III – o processo produtivo deve adotar boas práticas na fabricação de produtos artesanais com o propósito de garantir a produção de alimento seguro ao consumidor;
IV – as unidades de produção de matéria-prima e as unidades de origem determinada devem adotar boas práticas agropecuárias na produção artesanal;
V – o produto final de fabrico deve ser individualizado, genuíno e manter a singularidade e as características tradicionais, culturais ou regionais do produto, permitida a variabilidade sensorial entre os lotes;
VI – o uso de ingredientes industrializados deve ser restrito ao mínimo necessário, vedada a utilização de corantes, aromatizantes e outros aditivos considerados cosméticos; e
VII – o processamento deve ser feito prioritariamente a partir de receita tradicional, que envolva técnicas e conhecimentos de domínio dos manipuladores.
Ainda no Decreto no art. 5º são destacadas as competências do MAPA. Vale ressaltar algumas:
- Inciso I – o MAPA será responsável por estabelecer as normas complementares, as boas práticas agropecuárias na produção artesanal e na fabricação de produtos artesanais de carnes, pescado, ovos, leite e dos produtos de abelhas e seus derivados artesanais para concessão do selo ARTE;
- Inciso II – o MAPA estabelecerá, em norma técnica posterior, os procedimentos para a verificação da conformidade do selo ARTE;
- Inciso III – será criado o Cadastro Nacional de Produtos Artesanais, cujo dados serão fornecidos pelos Estados e pelo Distrito Federal que tiverem concedido o selo ARTE, atendendo ao disposto no art. 8º da Lei nº 12.527/2011; e
- Inciso V – o MAPA é quem auditará os produtos alimentícios de origem animal artesanais que tiverem o selo ARTE, conforme as normas de que tratam os incisos I e II, art 5º.
Para os órgãos de agriculturas estaduais e distritais, coube a competência conforme art 6º, de conceder o selo ARTE (inciso I), fiscalizar os produtos artesanais que tenham o selo ARTE (inciso II), estabelecer normas e regulamentos complementares conforme suas particularidades (inciso III) e fornecer e atualizar as informações do Cadastro Nacional de Produtos Artesanais (inciso IV).
Sei que vocês dirão que alguns estados já possuem suas legislações específicas, todavia, na minha opinião elas deverão ou serão modificadas por virtude de força do parágrafo único, art 6º do referido Decreto, que diz:
Parágrafo único. Até a publicação das normas técnicas complementares pelo Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de que tratam os incisos I e II do caput do art. 5º, os Estados e o Distrito Federal que possuam legislação própria de produtos alimentícios de origem animal reconhecidos como artesanais e que considerem os aspectos de sanidade animal e boas práticas agropecuárias poderão conceder o selo ARTE, desde que atendido ao disposto no inciso III do caput deste artigo.
Notem o trecho “até a publicação”, indicação uma condição de “até quando”, “ela só vai até…”. E continua: “que possuam legislação própria de produtos alimentícios de origem animal reconhecidos como artesanais…”…. “poderão conceder o selo ARTE, desde que atendido ao disposto no inciso III do caput deste artigo”.
Veja que existem várias condições para os Estados e o Distrito Federal concederem o selo ARTE. Primeiro, só poderão aqueles que já possuem uma legislação própria; segundo, mesmo os Estados que possuem legislação específica, só serão permitidas até as normas técnicas complementares serem editadas e por último, determina que o selo ARTE só poderá ser concedido desde que atendido o ínscios III do art. 6º.
Ainda no Decreto, outro ponto muito importante que facilita a vida do produtor artesanal de produtos de origem animal foi incluído, como a garantia da identidade, qualidade e segurança dos produtos serem de responsabilidades do produtor (Art 7º).
Quanto à fiscalização do comércio varejista e atacadista dos produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal, continuará sob competência das vigilâncias estaduais e distritais e que o resultado dessas fiscalizações devem ser compartilhas entre os órgãos (Art. 8º).
Já a inspeção e fiscalização dos estabelecimentos produtores, no que se refere aos aspectos higiênico-sanitários e de qualidade, serão de responsabilidade do serviço de inspeção oficial e que a natureza dessas ações será prioritariamente orientadora, considerando o risco sanitário. Ou seja, não deverão gerar sanções, salvo disposto em contrário, antes de orientar/advertir (Art 9º).
O Decreto também determina as condições em que o selo ARTE concedido aos produtores poderá ser cancelado pelos órgãos Estaduais ou Distrito Federal, quando (Art 10º):
I – não forem atendidas, no prazo estabelecido, a correção de não conformidades ou irregularidades; ou
II – o estabelecimento perder o seu registro junto ao serviço de inspeção oficial.
Por fim, também ficou determinada as condições para suspensão dos órgãos de agricultura e pecuária dos Estados e do Distrito Federal que concederão o selo ARTE, quando não forem atendidas ao disposto no Decreto ou nas normas técnicas complementes (que ainda serão publicadas) ou não houver atualização das informações no Cadastro Nacional de Produtos Artesanais (Art. 11, incisos I e II).
Caso ocorra, a suspensão de tais órgãos cessará quando o disposto nos incisos I e II do art.11 foram resolvidas.
É importante ressaltar que as normas complementares que tratam o decreto abrangem:
- Procedimentos para certificação do selo ARTE;
- Definição do logotipo do selo ARTE; e
- Regulamento técnico de boas práticas para produtos artesanais;
Sobre os regulamentos técnicos dos produtos artesanais, a primeira etapa será para produtos lácteos, especialmente queijos. Depois, as próximas irão tratar de produtos cárneos (embutidos, linguiças, defumados), produtos de origem de pescados (defumados, linguiças) e produtos oriundos de abelhas (mel, própolis e cera).
Pensou que acabou por aqui? Não!
Como a primeira etapa dos regulamentos técnicos de boas práticas para produtos de origem animal artesanais começou por lácteos (proposta de IN ainda sairá para consulta pública). Hoje, 19 de julho de 2019, também foi publicada a Lei nº 13.860.
A Lei nº 13.860/2019 dispõe sobre a elaboração e a comercialização de queijos artesanais e dá outras providências. Como a definição, no âmbito federal, para queijo artesanal:
Art. 1º Considera-se queijo artesanal aquele elaborado por métodos tradicionais, com vinculação e valorização territorial, regional ou cultural, conforme protocolo de elaboração específico estabelecido para cada tipo e variedade, e com emprego de boas práticas agropecuárias e de fabricação.
Eu sei que vocês dirão que já existem definições para queijo artesanal, tanto que o tema já foi tratado várias vezes aqui, aqui e aqui.
Entretanto, é importante frisar que a Lei nº 13.860/2019 trouxe pontos importantes, como:
- O queijeiro artesanal é responsável pela identidade, qualidade e segurança do queijo produzido, devendo cumprir os requisitos estabelecidos (Art. 2º); e
- A produção de queijos artesanais a partir de leite cru fica restrita a queijaria situada em estabelecimento rural certificado como livre de tuberculose e brucelose, no prazo de até 3 (três) anos, a partir da publicação da Lei (Art. 6º).
Também a Lei se preocupou em tratar dos requisitos para o reconhecimento de estabelecimento rural produtor de leite para a elaboração de queijo artesanal (Art. 7º):
I – participar de programa de controle de mastite com realização de exames para detecção de mastite clínica e subclínica, inclusive análise periódica do leite da propriedade;
II – implantar programa de boas práticas agropecuárias na produção leiteira;
III – controlar e monitorar a potabilidade da água utilizada nas atividades relacionadas à ordenha; e
IV – implementar a rastreabilidade de produtos.
Como também os requisitos para o reconhecimento de queijaria produtora de queijo artesanal (Art. 8º):
I – implantar programa de boas práticas de fabricação, a fim de garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos produtos alimentícios com os regulamentos técnicos, inclusive o monitoramento da saúde dos manipuladores de queijo e do transporte do produto até o entreposto, caso a queijaria estiver a ele vinculada;
II – controlar e monitorar a potabilidade da água utilizada nos processos de elaboração do queijo artesanal; e
III – implementar a rastreabilidade de produtos.
Ah! Os procedimentos e processos de controle de boas práticas, fiscalização e rastreabilidade serão simplificados no caso de pequenos produtores (Art. 11), complementando assim a flexibilização das regras de comercialização trazidas pelo artigo 10-A da Lei nº 1.283/1950.
Essa flexibilização não ocorrerá apenas pelas regras estabelecidas, mas o queijeiro artesanal receberá orientação na implantação dos programas de boas práticas agropecuárias e de fabricação pelas entidades de defesa sanitária e de assistência técnica e extensão rural.
Também sei que apenas as publicações do Decreto nº 9.918/2019 e da Lei nº 13.860/2019 não sanam todas as suas dúvidas, como podem até aumentá-las.
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