Minha vó me ensinou desde cedo, e eu até já contei para vocês que: “quem não pode com o pote, não pega na rudia”. Essa expressão exemplifica as responsabilidades que uma indústria tem quando produz alimentos.
As responsabilidades na produção de alimentos são todas estabelecidas em leis, decretos, portarias e uma gama de normas reguladoras que devem ser seguidas, afinal estamos falando de um setor regulado. E, se existe regulação, também existem sanções.
De forma mais simples, a sanção é a consequência pelo descumprimento da norma, é a pena ou recompensa que corresponde à violação ou execução da lei estabelecida.
Na área de alimentos, o descumprimento de normas regulamentares pode ser configurado como infrações sanitárias, e estas estão tipificadas na Lei nº 6437, de 20 de agosto de 1977, que estabelece as sanções e providências.
De forma geral, as infrações sanitárias, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, podem ser punidas, alternativa ou cumulativamente, com as penalidades de advertência, multa, apreensão de produto, inutilização de produto, interdição de produto, suspensão de vendas e/ou fabricação de produto, cancelamento de registro de produto, interdição parcial ou total do estabelecimento, proibição de propaganda, cancelamento de autorização para funcionamento da empresa, cancelamento do alvará de licenciamento de estabelecimento, intervenção no estabelecimento que receba recursos públicos, imposição de mensagem retificadora e/ou suspensão de propaganda e publicidade (Art. 2º, incisos de I ao XIII, da Lei nº 6.437/77).
Essas penalidades, vale lembrar, serão aplicadas quando devidamente instaurado um Processo Administrativo Sanitário (PAS), que só ocorre mediante lavratura do Auto de infração que constitui peça inaugural e obrigatória do processo.
Auto de infração é um documento lavrado pela autoridade sanitária (Anvisa, MAPA, e outros órgãos regulamentadores), que deve estar baseado em lei, no qual serão descritas as infrações constatadas (art. 12 da Lei nº 6.437/77).
Existem vários requisitos legais de extrema importância que devem ser observados na confecção do auto de infração, pois como peça inaugural do PAS, vincula todo o procedimento subsequente. Mas isso é tema para outro texto.
Após devidamente lavrado o auto de infração e notificado, o autuado passará a ter ciência das infrações das quais está sendo acusado e dará início a contagem do prazo para exercer, se quiser, o direito de defesa.
O que é defesa ou direito de defesa?
O direito de defesa está assegurado em nossa Carta Magna a Constituição Federal de 1988, conforme previsto no art. 5º, inciso LV, onde o princípio do contraditório está fundamentado.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Dentro do processo administrativo sanitário, o direito de resposta ao autuado previsto pela Constituição Federal, também é conferido pela Lei nº 6.437/77, art. 22, que diz:
“Art. 22. O infrator poderá apresentar defesa ou impugnação do auto de infração no prazo de quinze dias, contados de sua notificação”.
Importante frisar que o prazo de 15 dias é contado continuamente, considerando também os feriados, sábados e domingos. Onde o dia inicial será o primeiro dia útil seguinte da notificação e o prazo final sempre cairá em dia útil.
Dentro deste prazo, o direito de resposta poderá se apresentar como defesa ou impugnação, ou ambas. Na defesa, o autuado se manifesta contra as infrações descritas no auto de infração, enquanto na impugnação contesta os aspectos formais da autuação.
Como já dito antes, não é obrigatório a apresentação da defesa ou impugnação ao auto de infração, porém sempre considero importante que seja realizado, uma vez que apresentado ou não, o auto de infração será julgado do mesmo jeito pelo dirigente do órgão de vigilância sanitária competente.
Não exercer o direito de resposta, neste caso, é perder a oportunidade de diminuir ou até mesmo eliminar quaisquer punições, caso não se comprove as infrações.
Como se elabora uma defesa sanitária?
O documento de defesa sanitária ou impugnação expressa o direito de resposta do autuado contra o auto de infração lavrado pela autoridade sanitária. Possui relevante importância no Processo Administrativo Sanitário, pois será objeto importante no julgamento.
O julgamento será realizado com base na acusação (infrações descritas no auto), na manifestação do autuado (defesa e/ou impugnação), na apreciação das provas e no relatório do servidor autuante (fiscal).
Não existe um modelo padrão para elaboração de defesa sanitária, mas sim pontos importantes que deveria compor a defesa, e que serão obrigatoriamente levadas em consideração pela autoridade julgadora para imposição da pena e sua graduação. Estou falando das circunstâncias atenuantes!
A Lei nº 6.437/77 considera como circunstâncias atenuantes (art. 7º):
I – a ação do infrator não ter sido fundamental para a consecução do evento;
II – a errada compreensão da norma sanitária, admitida como escusável, quanto patente a incapacidade do agente para entender o caráter ilícito do fato;
III – o infrator, por espontânea vontade, imediatamente, procurar reparar ou minorar as consequências do ato lesivo à saúde pública que lhe for imputado;
IV – ter o infrator sofrido coação, a que podia resistir, para a prática do ato;
V – ser o infrator primário, e a falta cometida, de natureza leve.
Se o autuado tenha agido de forma e conforme ações que possam ser consideradas atenuantes, ou seja, que possa diminuir as possíveis penalidades, é de extrema importância que esse relato conste do documento de defesa, e sempre que possível acompanhado de provas.
A construção da defesa deve ser feita de forma clara, rica em detalhes e transparente na apresentação do pensamento, pois como todo o processo é administrativo, sem a presença física das partes para sustentação de suas falas, é imprescindível que seja facilmente compreensível.
E claro que, após tudo bem esclarecido, é mega importante que o documento de defesa conste um pedido, na qual o autuado requere a autoridade competente o seu desejo para conclusão do processo.
Este pedido, que geralmente é a insubsistência do auto, apenação com advertência ou outros desejos que assim queiram, não serão obrigatoriamente atendidos pela autoridade julgadora, porém serão levados em consideração mediante o que foi ora comprovado, se assim entender o legítimo interesse do autuado em reparar ou minorar o erro cometido.
Em suma, o documento de defesa deverá ser construído no mínimo composto da apresentação do fato, das ações atenuantes devidamente comprovadas e do pedido final.
Ah, e não esqueça de que a defesa sanitária deve ser assinada tanto pelo responsável legal do estabelecimento e pelo Responsável Técnico.
Mas não pense que um processo termina após a apresentação da defesa, pois após o julgamento, e devidamente notificado o autuado da decisão da autoridade sanitária, ao autuado é assegurado o direito de recorrer da decisão condenatória, conforme estabelecido no art. 30 da Lei nº 6.437/77:
“Das decisões condenatórias poderá o infrator recorrer, dentro de igual prazo ao fixado para a defesa, inclusive quando se tratar de multa…”
Os recursos são direitos que o autuado tem quando inconformado com a decisão que lhe aplicou a pena. E apenas cessado todos os recursos, é que a decisão se torna final, ou seja, as penalidades impostas deverão ser cumpridas.
É importante frisar que, além de apurar as irregularidades em Processo Administrativo Sanitário, o órgão regulador, quando verificar situações que não possam ser solucionadas pela esfera administrativa, poderá comunicar o Ministério Público, a quem incumbe, entre outras funções, a defesa da ordem jurídica, conforme o art. 127 da Constituição Federal. Caso a infração sanitária configure crime contra a saúde pública, a comunicação ao Ministério Público é obrigatória.
“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Tá pensando que rapadura só é doce? Ela não é mole, não!
Uma vez recebido um auto de infração, se uma defesa sanitária não for bem elaborada e apresentada dentro dos prazos previstos, as consequências podem ser bem severas.
Cabe ao profissional técnico da indústria o conhecimento adequado para a confecção da defesa sanitária, garantindo assim que as medidas para solução das infrações sejam suficientes para limitar possíveis consequências aos consumidores.
Quer continuar aprendendo mais sobre o assunto?