Novo Regulamento da Fiscalização de Produtos de Origem Vegetal – PARTE 1

Novo Regulamento da Fiscalização de Produtos de Origem Vegetal – PARTE 1

O Decreto nº 12.709, de 31 de outubro de 2025, institui um novo marco regulatório para a fiscalização dos produtos de origem vegetal no Brasil.

O texto revoga expressamente o Decreto nº 6.871/2009, conhecido como Decreto das Bebidas, e consolida em um único instrumento as regras aplicáveis a todas as cadeias produtivas vegetais, desde o cultivo até o comércio, abrangendo bebidas, óleos, farinhas, grãos, sucos, vinagres, chás e outros produtos processados ou in natura.

O novo decreto estrutura a atuação do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) sob os princípios de análise de risco, rastreabilidade, programas de autocontrole, fiscalização orientadora e harmonização normativa com as leis mais recentes, especialmente a Lei nº 14.515/2022 (Lei de Defesa Agropecuária) e a Lei nº 9.972/2000 (Classificação Vegetal).

Além de consolidar o sistema de controle, o decreto traz inovações substanciais na rotulagem e marcação dos produtos de origem vegetal, que passam a ser regidos por critérios de clareza, legibilidade e rastreabilidade.

A norma também introduz o SISBI-POV – Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, estabelece o Programa de Incentivo à Conformidade, define infrações e penalidades proporcionais ao risco, e amplia as regras sobre importação, exportação, fiscalização, certificação e medidas cautelares.

Preparei um esquema regulatório para facilitar o tema, vamos nessa:

1. Contexto Regulatório e Revogações

Desde a promulgação da Lei nº 14.515/2022, o Brasil vem atualizando seus regulamentos de defesa agropecuária para incorporar o modelo de autocontrole e gestão de risco em todas as cadeias produtivas.

Esse processo iniciou-se com os produtos de origem animal e, alcança agora o setor vegetal, com a substituição definitiva do Decreto nº 6.871/2009, que até então dispunha sobre padronização, classificação, registro, inspeção e fiscalização de bebidas e vinagres.

O novo Decreto nº 12.709/2025 expande o escopo normativo do antigo regulamento, que era restrito a bebidas, para abranger todos os produtos de origem vegetal, inclusive os destinados à alimentação animal, conforme disposto em seu Art. 234.

O texto também revoga outros nove decretos complementares publicados entre 2007 e 2023, que tratavam de ajustes pontuais na área de bebidas e vinhos, consolidando a legislação sob um único instrumento moderno e unificado.

Essa reestruturação legal reflete a necessidade de coerência técnica e integração entre normas, eliminando interpretações dúbias e atualizando dispositivos que se tornaram anacrônicos diante da evolução do setor, das novas tecnologias e dos compromissos normativos de rastreabilidade.

O objetivo central do novo decreto é garantir a inocuidade, identidade, qualidade e segurança dos produtos de origem vegetal, alinhando o Brasil aos padrões do Codex Alimentarius e fortalecendo a imagem do país como fornecedor global de produtos rastreáveis e conformes.

2. Abrangência e Princípios do Decreto

O Decreto nº 12.709/2025 aplica-se a todas as fases da cadeia produtiva vegetal, incluindo produção, beneficiamento, processamento, envase, armazenamento, transporte, distribuição, importação e exportação.

As ações de controle recaem sobre produtos, estabelecimentos, agentes econômicos, programas de autocontrole e serviços de classificação vegetal.

Entre os princípios estruturantes do regulamento destacam-se:

  • Proporcionalidade e análise de risco: as exigências são adequadas ao porte do agente e à natureza da atividade (art. 114).
  • Rastreabilidade obrigatória: todos os produtos devem possuir mecanismos que permitam rastrear a origem e o destino de cada lote (art. 122).
  • Responsabilidade compartilhada: fabricantes, importadores, distribuidores e estabelecimentos respondem solidariamente pela conformidade (art. 116).
  • Transparência e comunicação digital: a comunicação entre o MAPA e os agentes será prioritariamente eletrônica, com certificação inequívoca de ciência (arts. 152 a 154).
  • Autocontrole como pilar de fiscalização: as empresas devem manter programas documentados que comprovem o cumprimento dos requisitos legais, auditáveis pelo MAPA (arts. 117 a 120).

O decreto também formaliza o conceito de produto impróprio ao consumo (art. 200) e disciplina as medidas cautelares de apreensão, suspensão de atividades e destruição (arts. 191 a 199), reforçando a autoridade sanitária e a rastreabilidade das decisões administrativas.

3. Regras de Rotulagem e Marcação (Arts. 106 a 113 e 226–227)

3.1. Princípios Gerais

O Capítulo II, Seção IV do Decreto trata especificamente da marcação e rotulagem dos produtos de origem vegetal, inaugurando uma abordagem unificada que abrange bebidas, produtos processados, ingredientes, matérias-primas e derivados.

O Art. 106 estabelece os princípios fundamentais da rotulagem, determinando que toda marcação ou rótulo:

  • Seja de fácil visualização e legível;
  • Seja de difícil remoção, impedindo manipulações;
  • Apresente informações corretas, claras, precisas, completas e ostensivas;
  • Seja redigido em língua portuguesa, sem prejuízo de outras línguas secundárias quando aplicável;
  • Atenda às exigências do próprio decreto, de atos complementares do MAPA e de normas específicas de outros órgãos, como a Anvisa e o Inmetro.

Esse dispositivo consolida, pela primeira vez, a base legal para uniformizar a rotulagem vegetal, conferindo ao MAPA competência direta para editar normas complementares setoriais que especifiquem os elementos obrigatórios de cada categoria de produto. Será que podemos começar a pensar em uma norma específica para os produtos abrangidos pelo Decreto? 🤨

3.2. Vedações de uso e comunicação comercial

O parágrafo único do Art. 106 impõe vedações expressas quanto à forma e ao conteúdo do rótulo, marca ou comunicação comercial.
São proibidas representações que induzam a erro, dúvida ou confusão quanto à:

  • identidade,
  • composição,
  • classificação,
  • natureza,
  • origem,
  • tipo,
  • qualidade,
  • rendimento, ou
  • forma de consumo do produto.

Além disso, é terminantemente vedado atribuir propriedades terapêuticas ou medicamentosas, reforçando a linha já adotada pela Anvisa na RDC nº 727/2022 e pelo MAPA em normas de bebidas. A intenção é eliminar alegações indevidas, rótulos enganosos e imitações visuais de produtos de categorias distintas.

O decreto também inclui, de forma inédita, a proibição de representações gráficas que possam sugerir outra categoria de produto, como imagens de frutas em bebidas artificiais sem teor real do ingrediente, reforçando o combate à fraude econômica e à concorrência desleal.

3.3. Identificação do Registro de Estabelecimento e Produto

O Art. 107 institui o uso obrigatório de uma expressão ou representação gráfica para identificar o registro do estabelecimento e do produto de origem vegetal junto ao MAPA. Esse elemento visual (que ainda será regulamentado) funcionará como um selo de registro agropecuário, podendo incluir formato padronizado, número e dimensões específicas.

Enquanto o selo definitivo não for publicado, o Art. 226 determina que todas as bebidas nacionais mantenham em seus rótulos o número de registro do produto, e o Art. 227 exige que as bebidas importadas exibam o número de registro do estabelecimento importador.

Essa transição permitirá que a indústria adapte gradualmente seus layouts, evitando recall de rótulos até que os novos modelos de identificação sejam definidos oficialmente.

Na minha avaliação, essa é uma das mudanças com maior potencial de impacto, especialmente porque ocorre em um momento de outros marcos regulatórios, como o de rotulagem geral e nutricional de alimentos e bebidas.

3.4. Conformidade com Atos Complementares e Outras Normas

O Art. 108 reforça que a rotulagem deve seguir atos normativos complementares do MAPA e normas específicas de outros órgãos, como a ANVISA e INMETRO.
Na prática, isso significa que a rotulagem deve integrar requisitos de:

  • identificação e qualidade (MAPA);
  • informações nutricionais e advertências (ANVISA);
  • dimensões, legibilidade e simbologia técnica (INMETRO).

O artigo abre caminho para harmonização futura com a RDC nº 727/2022, a RDC nº 778/2023 (aditivos e coadjuvantes de tecnologia) e a Portaria Inmetro nº 249/2021, criando uma base regulatória coerente.

3.5. Produtos Importados e Rótulo Complementar

O Art. 109 estabelece que todo produto vegetal importado e comercializado no Brasil em sua embalagem original deve apresentar todas as informações obrigatórias em português, podendo fazê-lo:

  • no rótulo original, se já bilíngue; ou
  • por aposição de rótulo complementar.

O parágrafo único restringe a alteração dos dizeres originais para preservar a rastreabilidade e a autenticidade do produto, exceto quando autorizado pelo MAPA ou outro órgão competente.

Essa disposição traz segurança regulatória às operações de importação e evita a descaracterização de produtos, especialmente no caso de vinhos, azeites e bebidas espirituosas.

3.6. Comércio Eletrônico e Divulgação Digital

O Art. 110 inova ao prever que toda oferta de produto vegetal pela internet (inclusive por aplicativos, redes sociais e marketplaces) deve conter as informações obrigatórias da rotulagem definidas pelo MAPA.

Esse ponto amplia a fiscalização da rotulagem para o ambiente digital, sendo (até onde eu saiba) a primeira norma a tratar especificamente desse tema. Ela estabelece que os sites devem refletir fielmente as informações dos rótulos físicos, princípio que já venho orientando aos clientes da Regoola há anos.

Na minha opinião, a norma alinha-se às diretrizes internacionais do Codex Alimentarius – CXG 104-2024 (GUIDELINES ON THE PROVISION OF FOOD INFORMATION FOR PRE-PACKAGED FOODS TO BE OFFERED VIA E-COMMERCE) e representa avanço significativo na defesa do consumidor digital.

3.7. Denominações específicas e restrições de uso

O decreto traz duas disposições que reforçam a proteção das denominações de produtos tradicionais:

  • Art. 111: autoriza o uso da expressão “bebida alcoólica espirituosa” para bebidas com graduação de 15% a 54% v/v, a 20 °C, exceto as fermentadas.
  • Art. 112: proíbe que bebidas que contenham vinho ou derivados da uva utilizem termos que as caracterizem como “vinho”, salvo nas denominações e listas de ingredientes.
  • Art. 113: impõe a mesma regra para produtos que contenham azeite de oliva, restringindo o uso de menções e imagens associadas ao azeite puro.

Esses dispositivos visam evitar confusão de mercado, coibir o uso indevido de indicações geográficas e proteger produtos de valor agregado, como vinhos finos, azeites e bebidas típicas.

O Decreto nº 12.709/2025 abre uma nova etapa para o setor de produtos de origem vegetal e bebidas, com avanços que vão muito além da revogação do Decreto nº 6.871/2009.

Ao longo desta primeira parte, vimos como o novo regulamento reorganiza competências, amplia responsabilidades e redefine a base legal da fiscalização, estabelecendo uma lógica moderna de autocontrole, rastreabilidade e integração ao SISBI-POV.

Na Parte 2, vamos detalhar os aspectos de rotulagem, registro e fiscalização, explorando o que muda para as empresas já registradas no MAPA, os impactos sobre importadores e exportadores, e como a nova estrutura alinha o setor vegetal ao modelo do RIISPOA.


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